Em meio à polêmica do pagamento do auxílio-moradia a procuradores,
promotores, juízes, desembargadores e outras categorias, 59 residências
funcionais destinadas a juízes e nove para promotores de Justiça estão
abandonadas e em precário estado de conservação no interior do Ceará. As
68 casas pertencem, respectivamente, ao patrimônio do Tribunal de
Justiça cearense (TJCE) e à Procuradoria Geral da Justiça (PGJ).
Levantamento feito pelo O POVO, cruzado com informações da Ordem dos
Advogados do Brasil – seção Ceará (OAB-CE), TJCE e PGJ, mostra o descaso
com o dinheiro e o patrimônio público. Segundo dados do livro Poder
Judiciário do Estado do Ceará (1997/1998), publicado na gestão do então
presidente do Tribunal, desembargador José Maria de Melo, a Justiça
estadual desembolsou R$ 6.531.411,97 para comprar ou reformar moradias.
Um investimento para evitar que autoridades do Judiciário, no interior
do Estado, morassem em casas cedidas por prefeitos. Boa parte, alvo de
investigações.
Na época, entre 1997 a 1998, segundo relato do então presidente José
Maria de Melo (hoje falecido), o Tribunal de Justiça possuía 223
residências oficiais – sendo 139 imóveis novos “erguidos em
estilo-padrão”. Vinte e duas das casas foram “compradas a particulares e
28 adquiridas junto ao Banco do Brasil”. Naquele período, 34 tiveram de
ser reformadas. Em 20 anos, o que foi construído para abrigar juízes e
familiares em comarcas distantes de Fortaleza ou foi sendo cedido às
prefeituras, ao Ministério Público, à Justiça Eleitoral ou está se
destruindo em bairros nobres ou centrais nos municípios do Ceará. Dados
coletados pelas 15 subseções da OAB-CE, nas cinco regiões do Estado,
denunciam, por exemplo, que o Condomínio Judicial do Crato, no Cariri
cearense, tem cinco moradias que poderiam estar servindo à Justiça.
Segundo o advogado Fábio Timbó, secretário-adjunto e corregedor da
instituição em Fortaleza, “trata-se de negligência e contradição em um
momento em que o Tribunal discute uma reforma para reduzir despesas e
aumenta as custas processuais. Tem de enxugar primeiro a própria
cozinha”.
A existência das residências e a falta de uso, segundo Fábio Timbó,
aprofundam mais ainda a polêmica sobre o pagamento do auxílio-moradia
para os magistrados e outros servidores públicos. “É acintoso, com o
dinheiro público, os juízes cearenses receberem a verba tendo à
disposição um patrimônio construído para esse fim”, reclama. As casas
funcionais, afirma Fábio Timbó, são imóveis dignos de serem ocupados por
juízes e juízas. São amplos, geralmente com três quartos, pelo menos
uma suíte, cozinha, sala de estar, quintal e outras áreas. Ele cita o
exemplo de outro condomínio fechado com seis residências, construído em
Juazeiro do Norte, distante 494,6 km de Fortaleza. Como há mais de três
anos os juízes deixaram de morar lá sem justificativa, o Tribunal de
Justiça resolveu ceder o prédio à prefeitura de Juazeiro. O Município,
por sua vez, emprestou os imóveis para seis oficiais da Polícia Militar
ocuparem enquanto estão servindo na região do Cariri.
Hoje, de acordo com o desembargador Francisco Gladyson, presidente do
TJCE (entrevista ao lado), apenas três juízes moram em casas oficiais
nas comarcas cearenses. Alegando questão de segurança, a assessoria de
imprensa do órgão não informou os locais. O POVO apurou que Canindé é um
dos raros municípios onde uma residência é usada por magistrado. A
outra moradia foi transformada em cartório eleitoral.
Em relação ao Ministério Público, nos municípios de Aiuaba, Assaré,
Jaguaruana, Ipaumirim, Hidrolândia, Pedra Branca, Quixeré, São Gonçalo
do Amarante e Trairi, nove moradias destinadas para promotores e
promotoras de Justiça estão “sem condição de habitabilidade”. De acordo
com o procurador-geral de Justiça, Plácido Rios, no momento, a reforma
não seria justificável já que é pago o auxílio-moradia.
Plácido Rios analisa que ter residências funcionais nas comarcas poderia
ser menos oneroso para o Estado. Numa análise empírica, sem estudos,
frisa o procurador geral, poderia ser uma alternativa ao dispendioso
auxílio-moradia. “Porém, estimamos que, a longo prazo, a manutenção de
residências para promotores venha a ser vantajoso para a administração
levando-se em consideração o que vem sendo pago de auxílio moradia. É
necessário um estudo”, afirma.
O POVO Online
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