No interior do Ceará houve uma expansão na oferta de Ensino Superior,
mas nem sempre o sonho de obter um diploma se transforma em realidade.
Em pelo menos três cidades (Brejo Santo, Milhã e Mombaça), alunos
relatam irregularidades em um curso de bacharelado em Serviço Social. A
lista, no entanto, pode ser maior a julgar pelas denúncias e reclamações
que estão surgindo. Há suspeita, inclusive, de ilegalidade em outros
cursos.
Em Brejo Santo, no Sul do Ceará, um golpe mexeu com o sonho de
dezenas de alunos que, após quatro anos de estudo, tinham a esperança de
conseguirem não só o diploma de bacharel em Serviço Social, mas também
um lugar no mercado de trabalho. Desde 2016, eles esperam pelo documento
de conclusão do curso, mas receberam somente uma declaração.
As pessoas prejudicadas explicam que estudaram em uma instituição,
mas receberam a declaração em nome de outra, a Faculdade Kurios - Fak,
que tem sede em Maranguape. "A Fak é reconhecida pelo MEC (Ministério da
Educação), mas não para ofertar curso semipresencial", observou a
concludente e vendedora, Amanda Oliveira Amorim. "Sem os diplomas,
estamos impossibilitados de exercer a profissão", completa.
A falta do diploma impede a realização do sonho de muitos
concludentes. Um grupo viajou da cidade de Exu, em Pernambuco, para
protestar em Brejo Santo, onde fica a instituição na qual estudaram por
quatro anos.
Maria Valma Parente, dona de casa e ex-aluna, gastou mais de R$ 10
mil com mensalidades, apostilas e deslocamento para fazer o curso
superior. "Muitos falam em receber indenização, mas eu quero o meu
diploma, a minha realização como pessoa", pondera. Até quem trabalhou na
aplicação de provas do curso, que era ofertado na modalidade a
distância, se sentiu enganada.
É o caso da professora Fátima de Miranda Parente. "Foram quatro anos
de trabalho, observando o sonho dos alunos, empolgados em ter um curso,
uma profissão bonita".
O advogado do grupo de concludentes, Anunciado Saraiva, registrou
Boletim de Ocorrência na Delegacia Regional de Polícia Civil de Brejo
Santo e adiantou que vai ingressar com ação judicial por prática de
crime de estelionato e processar os responsáveis na área civil e
criminal. A reportagem não conseguiu falar com nenhum responsável pela
administração do curso.
Milhã
Outros alunos que cursaram bacharelado em Serviço Social no Instituto
de Educação Superior de Milhã, entre 2011 e 2016, receberam diploma de
outra instituição que é reconhecida pelo MEC, mas não para ofertar curso
na cidade e, por isso, não conseguem o registro profissional no
Conselho Regional de Serviço Social (Cress).
O grupo, de aproximadamente 30 alunos, recebeu declaração de
conclusão de curso emitida pela Faculdade Cidade de Guanhães, em Minas
Gerais. Em alguns diplomas constam, no verso, carimbos da Universidade
Iguaçu (Unig) de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, e de reconhecimento de
portaria do MEC.
Os concludentes contam que estudavam nos fins de semana. A mensalidade custava R$ 215, com desconto.
A descoberta da irregularidade ocorreu quando alguns alunos tentaram
registrar o diploma no Cress. "Eu me sinto decepcionada, investi tempo e
dinheiro e não vou poder exercer a profissão por falta de registro
profissional", lamenta a coordenadora de vendas, Rafaela da Silva
Batista. "Esperamos justiça, ressarcimento das mensalidades".
A ex-aluna Gerda Kele de Souza é taxativa. "Quando fomos ao Conselho
descobrimos que a faculdade não era reconhecida e já faz três anos que
lutamos por nossos direitos, mas até agora nada", reforça. "Já
procuramos a instituição e não há resposta concreta para nós. Faço aqui
um apelo porque não foi fácil fazer esse curso, pagar, e espero que seja
resolvido da melhor maneira possível", reitera.
Alguns alunos relatam, inclusive, constrangimento. Foram aprovados em
concurso e não conseguiram ser contratados por falta do registro
profissional. Outros, no entanto, ingressaram na Justiça e obtiveram
decisão favorável.
A vice-presidente interina do Conselho Regional de Serviço Social,
Wanessa Beleza, diz que o órgão faz a análise dos documentos
apresentados pelos concludentes para emissão de registro profissional.
"Observamos, desde 2014, que muitos bacharéis que procuram o Conselho
frequentaram curso em institutos, e não faculdades, no interior do
Ceará", explica. "No período de estágio migram para faculdades, que têm
autorização de ofertar o curso, mas não naquela cidade", completa.
Para a vice-presidente do Cress, as pessoas foram enganadas. "Temos
muitas denúncias, inclusive de professores, e lista de alunos que
estudaram em institutos, mas na hora do estágio e do diploma foram
jogados para outras instituições, e só depois percebem que foram
enganados", frisa Wanessa Beleza.
O Conselho já encaminhou várias denúncias para o Ministério Público
Federal. "O Cress não é culpado, os alunos precisam, antes de se
matricular, consultar o portal do MEC e verificar se a instituição tem
autorização para ofertar o curso naquela cidade", orienta Wanessa
Beleza.
Explicação
Roneuto Lima explica que a oferta do curso foi feita pelo instituto
que era da irmã dele, que morreu no ano passado. Frisa que no prédio
onde funcionou o curso de Serviço Social atualmente existe a sede da
Faculdade do Sertão Central (Fasec), que foi criada em 2018, e nada tem a
ver com o Instituto de Educação Superior de Milhã. "Era uma empresa
individual que se extinguiu com a morte da minha irmã", diz. "Zelamos
pelo nome da Fasec".
Empresário do setor de Educação, Roneuto acrescenta que seis
concludentes já obtiveram na Justiça o registro profissional em Serviço
Social e recomenda que os demais alunos também deem entrada no pedido de
registro no Cress. "O curso é reconhecido, o diploma tem registro no
MEC", garante.
O advogado dos ex-alunos de Milhã, Cláudio Benevides, lembra que há
no Ceará um problema generalizado com a oferta de cursos superiores por
institutos de forma irregular. "Eles recebem diplomas, como se
estivessem estudado na faculdade, o que não é verdade", alerta. "O curso
é até reconhecido, mas não tem autorização para ser ministrado fora do
perímetro da instituição. Essa é a irregularidade".
Por fim, Roneuto ressalta que os honorários advocatícios das seis
universitárias que entraram na Justiça, e tiveram êxito, foram custeados
pela família da então dona da faculdade de Milhã. "E assim será com
todos que entrarem na Justiça. Embora a faculdade esteja extinta, o
esposo da minha irmã dará amplo e irrestrito apoio aos alunos que
precisarem".
Diário do Nordeste
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