Para o cearense, acostumado forçadamente com longos períodos de estiagem
nos últimos anos, a imagem de um açude sangrando é de encher os olhos e
de acender a esperança por uma quadra chuvosa satisfatória para a
agricultura, e também de conforto, no que se refere ao abastecimento
hídrico. A temporada de chuvas, entre os meses de fevereiro e maio, é o
período em que os reservatórios têm chance de adquirirem aporte hídrico.
Passado este ínterim, as chuvas diminuem substancialmente e a evaporação
dos açudes, somada ao consumo do líquido, atuam no processo inverso:
diminuição do volume.
Atualmente, de acordo com o monitoramento da Companhia de Gestão dos
Recursos Hídricos (Cogerh), o Estado possui 10 açudes operando em sua
capacidade máxima.
Outra estatística positiva é que o volume total dos açudes voltou a
subir após oito anos. Hoje, os reservatórios cearenses estão com 11,7%
da capacidade, o melhor resultado para este período do ano desde 2015,
quando a Cogerh apontava 15,4%. Em 10 de março do ano passado, o nível
era de apenas 7,7%.
Apesar disso, o cenário ainda inspira preocupação, em decorrência da
longa sequência negativa do quadro hídrico. Nos últimos 10 anos, o nível
médio dos 155 açudes monitorados pela Cogerh apresentou sucessivas
quedas. Para se ter dimensão. Em 10 de março de 2010, o volume dos
açudes cearenses era de 62,2% de um total de 18,62 bilhões de m³. No ano
seguinte, esse número saltou para 77,7%. Daí em diante, a estiagem se
agravou e o quadro foi de consecutivas reduções.
A despeito da recente melhora, a presente capacidade dos açudes
cearenses está longe de ser a necessária para garantir abastecimento ao
curso do segundo semestre do ano. A reportagem do Diário do Nordeste
demandou à Cogerh sobre qual seria o nível ideal para o período, no
entanto, o órgão não respondeu.
Castanhão
O Castanhão, maior açude do Ceará, agoniza. Principal abastecedor da
Região Metropolitana de Fortaleza (RMF) e do Vale do Jaguaribe, o
reservatório amarga seu pior índice para o início de março (3,56%). Em
10 março de 2011, por exemplo, o nível era de 71,13%. A partir de então,
acumulou uma série de reduções até chegar ao crítico volume atual.
Dos 10 açudes sangrando, cinco pertencem às Bacias do Coreaú e do
Acaraú, na região Norte. Na lista, constam o Acaraú Mirim, em Massapê;
Diamantino II, na cidade de Marco; o Itaúna, de Granja; o açude
Tucunduba, em Senador Sá; e o Gameleira, na cidade de Itapipoca. A lista
se completa com os açudes São José I, em Boa Viagem; Batente, em Ocara;
o Germinal, da cidade de Palmácia; e os reservatórios Maranguapinho, de
Maranguape; e Tijuquinha, instalado em Baturité.
Eles estão sendo beneficiados pelos substanciais volumes de chuva que
banham a região Norte neste início de ano. O meteorologista da Funceme,
Raul Fritz, explica que este fator se deve à localização da Região Norte
em relação às influências do sistema responsável pelas chuvas, a
chamada Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), que se manifesta no
período da quadra chuvosa. "Esse próprio sistema alcança facilmente a
parte Norte do Estado, que é a mais próxima do Equador, facilmente
atingido pelas nuvens de chuvas", explica.
Quem tem se beneficiado deste fenômeno natural são os moradores. Em
Massapê, a sangria do açude Acaraú Mirim trouxe de volta a pesca e os
dias de diversão. Com a maior oferta de água, a população voltou a
usufruir do açude como balneário. Aos fins de semana, têm sido comum
diversos grupos buscarem por locais com água para se refrescar. O açude
acaba por se transformar em ponto de lazer. "Eu moro em Sobral, mas
sempre que posso venho aqui tomar um banho, ou apenas descansar com a
família. Tem bons bares e restaurantes nas proximidades do açude",
revela a dona de casa Cíntia Alves Brito, de 47 anos. O reservatório
possui 36.71 m³ de capacidade.
Em Itapipoca, também na Região Norte, quem proporciona alegria quanto ao
abastecimento hídrico e lazer é o Gameleira. Na visão dos moradores, a
cheia do açude sempre traz alívio por conta de um passado de seca
severa. "Na verdade, as águas do Gameleira representam redenção para
todos nós. No passado, tínhamos o Poço Verde, único reservatório
responsável pelo abastecimento da cidade que secou por completo em 2013,
causando grande mortandade de peixes. Isso ocasionou o colapso de água
na cidade. Foram as águas do Gameleira, o novo açude, que chegaram para
mudar essa realidade", relembra o radialista Flávio Teixeira.
Dificuldades
Com cerca de 52.64 milhões de metros cúbicos, hoje, a realidade que o
reservatório proporciona é outra. "Mesmo nesses anos de seca, nessa
dificuldade toda, o Gameleira se mantém firme na irrigação das
comunidades ribeirinhas, na autonomia da agricultura familiar, enfim, na
manutenção da oferta de água", comemora Teixeira. Além dos 10 açudes
sangrando, quatro estão com volume acima de 90%. Destes, três também são
do Norte do Estado, o Jenipapo, localizado na Meruoca (95,73%); o São
Vicente, de Santana do Acaraú (95,33%); e o açude Gangorra, no município
de Granja (97,76%). Entretanto, conforme observou Bartolomeu Almeida,
gerente da Bacia do Coreaú e Acaraú (Cogerh), o quadro, em âmbito
estadual, ainda é de alerta.
"Nós temos tido uma situação hídrica melhorada na parte do litoral, mas
esperamos, ainda, um maior aporte em nossos reservatórios nos próximos
meses para conseguirmos suportar a demanda do segundo semestre do ano".
Média
De acordo com os dados da Funceme, desde o início da estação chuvosa, as
precipitações seguem acima da média para o período. Janeiro, mês de
pré-estação, registrou 10% de volume de chuvas a mais que a média.
Fevereiro marcou 48% de aumento e, os primeiros dias do mês de março, já
apontam uma média de 52 mm, quando a média esperada para todo o mês é
de 203 mm. A expectativa é de que ocorra mais aporte nos reservatórios.
Diário do Nordeste
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