As facções criminosas avançam nas ruas, nos presídios e, agora,
comprovadamente, também nos centros socioeducativos. Em menos de 48
horas dois adolescentes foram assassinados dentro do Centro
Socioeducativo Doutor Zequinha Parente, em Sobral, a aproximadamente,
250Km de Fortaleza.
Conforme a Polícia Civil, a primeira morte, ocorrida na noite do último
sábado (31), foi motivada pela disputa entre as organizações rivais
Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV). Segundo
apurado junto ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), a vítima,
de nome Francisco Emanuel de Oliveira Coelho, foi surpreendida e
executada por rivais internos no mesmo prédio.
Ontem, por volta das 12h30, outro adolescente foi morto dentro do
Centro. Antes de ser enforcado por dois infratores, Eduardo Carreiro
Lima da cidade de Poranga CE, teve o corpo perfurado em diversas partes por uma barra de ferro.
De acordo com o titular do Núcleo de Homicídios da Delegacia Regional de
Sobral, delegado Paulo Castro, de início se pensou que segundo
homicídio aconteceu em retaliação à morte de Coelho, porém, a partir dos
depoimentos dos suspeitos, foi observado que a motivação era outra.
"No primeiro homicídio foram dois autores e eles foram identificados. Os
outros dois envolvidos na morte do Eduardo Carreiro foi porque no
Centro corria informação que ele era um estuprador da própria irmã. Um
ficou com o pedaço de pano e o outro com a barra de ferro. Eram
companheiros de cela. Na Delegacia os dois contaram o porquê da
execução. A permanência de todos os suspeitos em Sobral, vai ficar a
critério do setor de Execução Penal", explicou o delegado.
De acordo com a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento
Socioeducativo (Seas), os servidores da unidade acionaram o Samu em
ambos os casos, mas devido aos ferimentos, as vítimas não chegaram com
vida ao hospital da região. Em nota, a Seas informou que um processo de
sindicância foi instaurado a fim de reavaliar os procedimentos de
segurança do equipamento.
"Uma equipe da Seas se deslocou para Sobral para realizar todos os
procedimentos e prestar suporte às famílias dos adolescentes. Em
paralelo, a Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) iniciou os trabalhos
de investigação no intuito de elucidar as ocorrências. As investigações
preliminares indicam que não havia relatos de ameaças ou risco pessoal
por parte dos adolescentes. Contudo, mais informações somente poderão
ser apresentadas após a conclusão das investigações", disse a
Superintendência ao lamentar o ocorrido.
Preocupação
Ao saber das mortes, a dona de casa Socorro Mendes, mãe de um
adolescente de 18 anos de idade interno na unidade, esteve no Centro
Socioeducativo em busca de informações sobre o filho. "Ele está aqui há
uns quatro meses. Fico aflita em busca de saber como está meu filho, e
ninguém me informa nada. Eu estou desesperada, pois não sei como ele se
encontra. Só vou sair daqui depois de ser atendida", disse a dona de
casa.
Durante a tarde de ontem, Maria Ivonete de Oliveira, mãe de outro
adolescente infrator, ressaltou a ausência de informações oficiais desde
os acontecidos: "Eu vi o rabecão entrar e sair, mas ninguém nos diz
como está a situação lá dentro. Ou se meu filho está bem. A última vez
que o vi, foi nesse domingo de Páscoa, durante a visita. Eu soube das
mortes pelo rádio, e até agora ninguém da direção apareceu para falar
sobre o caso", garantiu Maria.
O titular da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Sobral,
Plínio Augusto Almeida, reiterou a preocupação das mães. Para o
promotor, a situação do Centro Doutor Zequinha Parente é problemática
desde o ano de 2014, quando foi inaugurado, mas, a partir de 2016, com a
chegada das facções ao Estado, o cenário piorou.
"O Centro trabalha com 90% acima da superlotação. O espaço é para
abrigar 40, mas lá sempre tem uns 70 internos. Há mais de um ano
acontecem agressões com a interferência das facções. Foram feitas
algumas transferências. No começo de 2018, novamente, percebemos esse
agravamento. PCC e Comando Vermelho ficam separados por alas. Há risco
de uma ala inteira se liberar e não matar só um, mas 10. Nós tememos
situações que gerem uma quantidade imensa de homicídios", disse Plínio
Almeida.
Também conforme a Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de
Sobral, a socioeducação, que é o principal intuito do local, não vem
acontecendo: "A separação dos adolescentes tem que ser feita por idade,
por tipo de ato infracional, mas por conta da penetração das facções foi
feita a divisão por grupo. Lá dentro, a maioria deles tem que escolher
um lado", admitiu o promotor.
Ainda acerca das mortes, o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente
(Cedeca) afirmou acompanhar o caso e cobrar informações do Seas.
Conforme o Cedeca, houve negligência por parte da Superintendência e,
além dela, serão oficiados outros órgãos na intenção de cobrar
incremento na segurança, reforma imediata na unidade, acompanhamento das
famílias das vítimas e investigação dos contextos das mortes.
Conforme a nota do Centro "estamos também encaminhando informes do
episódio para a ONU, Comissão Interamericana de Direitos Humanos e
Conselhos Nacionais (de Direitos Humanos, da Criança e Adolescente e de
Prevenção e Combate a Tortura) que já acompanham o Sistema
Socioeducativo em interlocução conosco".
Diário do Nordeste
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