Após transformar a indústria aeroespacial, a SpaceX assume outro grande
desafio: oferecer cobertura de internet em todo o planeta usando
satélites. Os primeiros 60 foram lançados na noite desta quinta-feira,
de uma base da Força Aérea americana em Cabo Canaveral, na Flórida. O
projeto da empresa fundada por Elon Musk, batizado como Starlink, prevê
cerca de 12 mil deles, que deverão ser lançados até 2027. Caso seja
bem-sucedido, o negócio tem potencial para faturar até US$ 30 bilhões
por ano — valor 50% superior ao orçamento da Nasa para este ano — para
financiar a exploração da Lua e de Marte.
Nós vemos isso como uma forma para a SpaceX gerar receitas que podem ser
usadas no desenvolvimento de foguetes e espaçonaves cada vez mais
avançadas — afirmou Musk, em entrevista coletiva na semana passada. —
Nós pensamos que isso é uma chave fundamental no caminho de
estabelecermos uma cidade autossustentável em Marte e uma base na Lua.
O foguete Falcon 9 deixou a base de lançamento por volta das 23h30, pelo
horário de Brasília, e retornou para o pouso numa balsa ancorada no
Atlântico. Os satélites — cada um deles pesando 227 quilos — foram
liberados cerca de uma hora depois, a 440 quilômetros de altitude. No
início da madrugada desta sexta-feira, Musk usou sua conta no Twitter
para informar que todos os satélites estavam on-line.
30 lançamentos para cobrir o planeta
Segundo Mark Juncosa, vice-presidente de engenharia de veículos da
SpaceX, serão necessários mais 12 lançamentos para que a rede Starlink
ofereça cobertura para todo o território americano. Com 24 lançamentos
será possível oferecer conexão de internet para praticamente todos as
regiões povoadas; e 30, para cobrir todo o planeta. Então, para cobrir
todo o planeta são necessários 1,8 mil satélites. Os quase 10 mil
adicionais servem para aumentar a capacidade da rede.
Em um ano e meio, talvez dois anos, se tudo correr bem, a SpaceX
provavelmente terá mais satélites em órbita do que a soma de todos os
outros satélites — afirmou Musk. De acordo com levantamento da Union of
Concerned Scientists existiam 2.062 satélites em órbita antes do
lançamento desta quinta-feira.
Os satélites são relativamente pequenos, cada um pesa 227 quilos. Na
imagem, os 60 satélites lançados nesta quinta-feira Foto: SpaceX
O uso de satélites para a oferta de conexão à internet não é novidade.
Entretanto, até poucos anos atrás, esse link era feito por satélites
geoestacionários, que ficam parados sobre um ponto do planeta a cerca de
36 mil quilômetros de altitude. Dessa forma, cada satélite cobre uma
porção imensa do planeta, mas pela distância, a latência (tempo entre o
envio de um comando e o recebimento de uma resposta) é alta, acima de
600 milissegundos.
Cruzeiros, ilhas e cidades isoladas
Desde 2014 a SES opera a rede O3b, a primeira de órbita terrestre média a
oferecer conexão de alta velocidade com a internet. Os satélites ficam
circundando a Terra a cerca de 8 mil quilômetros. Apenas seis deles são
suficientes para cobrir todo o planeta, mas a rede conta com 20 para
oferecer mais capacidade. Sandro Barros, diretor da SES Networks para o
Brasil e Cone Sul, explica que os satélites são usados para oferecer
conexão com padrão de banda larga fixa para regiões remotas e e pouco
povoadas.
Quem vive em grandes centros urbanos pode não conseguir mensurar o valor
do acesso à internet, ela já faz parte do dia a dia. Mas para cidades e
povoados isolados, a chegada da rede abre um mundo de novas
oportunidades. Cursos de graduação e pós-graduação a distância se tornam
possíveis, comerciantes locais podem aderir ao comércio eletrônico,
produtores agrícolas ganham novas ferramentas, como drones e sensores em
tempo real. Redes também podem ser montadas rapidamente em situações de
desastre.
— A gente chama esse tipo de solução como “Fiber in the Sky” (fibra no
céu). A ideia é não apenas habilitar uma conexão, mas uma conexão com
qualidade de fibra. As velocidades chegam na casa do gigabit por segundo
— afirmou Barros. — Nós conectamos ilhas, como Fernando de Noronha, San
Andrés e Ilha de Páscoa. Praticamente todas as grandes ilhas do
Pacífico também são conectadas por satélites. Também conectamos grandes
navios de cruzeiro e plataformas offshore. No Brasil, temos clientes
principalmente nas regiões Norte e Nordeste, em cidades onde a fibra não
chega.
A distribuição de internet por satélite funciona da seguinte maneira:
antenas no local atendido transmitem os dados para os satélites, que os
direcionam para estações em terra conectadas com a internet. No Brasil, o
teleporto da SES fica em Hortolândia, em São Paulo. Na rede O3b, a
latência varia entre 100 e 150 milissegundos, equivalente à fibra de
longa distância, o tempo de um piscar de olhos.
Carros autônomos e realidade aumentada
Na rede da Starlink a latência deve ser ainda menor. Os satélites vão
orbitar o planeta em altitudes entre 340 e 1.140 quilômetros. Com uma
distância menor para percorrer, a resposta é mais rápida, praticamente
em tempo real. As latências baixíssimas são exigências de novas
tecnologias que devem surgir nos próximos anos, como os carros autônomos
e a realidade aumentada. Tanto que os padrões definidos para as redes
5G são de latência de apenas 4 milissegundos.
Para a maioria das aplicações atuais, a velocidade de resposta não faz
tanta diferença. Acessar um site na internet, assistir um filme por
streaming ou enviar uma mensagem não dependem da latência baixa. Mas
para um carro, trafegando a 100 km/h, qualquer atraso na tomada de
decisão pode ser fatal. O mesmo acontece em cirurgias remotas, onde um
pequeno delay na transmissão de imagens pode ter consequências graves.
Além da SpaceX, outras companhias preparam suas constelações. A OneWeb,
bancada pela Airbus, lançou seus primeiros seis satélites em fevereiro,
de uma constelação projetada com 900 satélites. Mais recentemente, a
Amazon apresentou pedido ao governo americano para lançar 3.236
satélites pela subsidiária Kuiper Systems.
O GLOBO